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Por Marcello Sampaio | Editorial Política em Pauta — GVPCom News

Araucária viveu nos últimos meses um dos embates jurídicos eleitorais mais complexos e delicados envolvendo as chamadas cotas de gênero nas eleições municipais de 2024.

No centro da disputa, o ex-vereador Ben Hur Custódio de Oliveira (União Brasil) apresentou uma ação na Justiça Eleitoral questionando a legalidade da composição da chapa proporcional do partido Solidariedade, que elegeu dois vereadores no município: Leandro da Academia e Professor Valter.

Após meses de tramitação e expectativas políticas nos bastidores, o juiz da 8ª Zona Eleitoral de Araucária, Carlos Alberto Costa Ritzmann, proferiu sua sentença no início da tarde desta segunda-feira, 16 de junho, julgando improcedente o pedido de Ben Hur e mantendo válidos os votos obtidos pela legenda.

Entenda o caso: cota de gênero no centro da disputa

Desde 2009, a legislação eleitoral brasileira obriga que os partidos respeitem a reserva de gênero na composição de suas chapas proporcionais. Ou seja, cada partido deve preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% das vagas de candidatos com pessoas de um mesmo gênero, como forma de incentivar a participação feminina na política.

No caso analisado, Ben Hur alegou que o partido Solidariedade teria praticado fraude ao preencher indevidamente a cota de gênero feminino, incluindo na nominata uma pessoa que, segundo ele, não seria mulher trans, mas sim um homem gay, com o objetivo exclusivo de cumprir formalmente o percentual mínimo exigido por lei.

A denúncia envolveu não apenas uma questão documental, mas também um debate sensível e atual: a autodeclaração de gênero e sua aceitação no âmbito da Justiça Eleitoral.

A linha de defesa e o entendimento da Justiça

A defesa do Solidariedade argumentou durante todo o processo que a candidata inscrita no registro partidário como mulher transgênero de fato se identificava como tal, independentemente de procedimentos médicos ou de documentação integralmente retificada, o que é juridicamente aceito em diversas esferas do direito brasileiro, inclusive no campo eleitoral.

O Ministério Público Eleitoral, ouvido no processo, também manifestou-se no sentido de que não haveria elementos concretos de fraude que pudessem invalidar a candidatura, destacando a dificuldade de se sobrepor a autodeclaração de gênero com meras percepções externas ou alegações de adversários políticos.

O juiz Carlos Alberto Costa Ritzmann, ao proferir sua decisão, seguiu essa mesma linha de entendimento:

“Não se logrou trazer aos autos provas robustas e inequívocas de que a candidatura tenha sido fraudulenta. Em tema tão sensível quanto o de identidade de gênero, não cabe à Justiça Eleitoral suplantar a declaração feita pelo próprio indivíduo, na ausência de provas contundentes em sentido contrário”, registrou o magistrado na sentença.

Com a decisão, os mandatos de Leandro da Academia e Professor Valter seguem preservados, e os votos do Solidariedade permanecem válidos.

Implicações políticas em Araucária

O desfecho tem reflexos diretos no atual cenário político do município. Caso o juiz tivesse acolhido o pedido de Ben Hur, o Solidariedade perderia seus votos, o que provocaria uma recontagem geral de cadeiras e poderia levar Ben Hur a retomar uma vaga na Câmara Municipal.

Além disso, a decisão reafirma o entendimento da Justiça Eleitoral sobre a validade da autodeclaração de identidade de gênero nas candidaturas, tema que vem gerando debates e jurisprudências recentes em diversas instâncias do país.

Ainda cabe recurso

Embora a sentença de primeira instância tenha sido desfavorável ao ex-vereador Ben Hur, o processo ainda não está definitivamente encerrado. Cabe recurso tanto ao Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) quanto, em última instância, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília.

Fontes ligadas ao advogado de Ben Hur indicam que já há estudos sobre a viabilidade recursal, uma vez que o tema envolve discussões constitucionais sobre isonomia, proteção da lisura do pleito e cumprimento efetivo das cotas de gênero.

Por outro lado, integrantes do Solidariedade comemoraram a decisão e afirmam que a sentença consolida o entendimento correto da lei, respeitando a autodeterminação individual e o esforço do partido em cumprir as exigências legais.

Um tema nacional em debate

O debate travado em Araucária reflete discussões maiores que já chegam ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao TSE sobre os limites e critérios na comprovação da identidade de gênero para fins eleitorais. A corte eleitoral brasileira vem, nos últimos anos, firmando o posicionamento de que a autodeclaração deve ser respeitada, cabendo ao autor da denúncia o ônus de apresentar provas inequívocas de eventual fraude.

Organizações de defesa dos direitos LGBTQIA+ e de representação de mulheres também acompanham de perto esses processos, considerando-os emblemáticos para o futuro das políticas afirmativas no sistema eleitoral.

Clima tenso nos bastidores políticos

Embora o embate tenha ocorrido nos autos, o caso causou tensão evidente no ambiente político de Araucária. A movimentação jurídica de Ben Hur foi interpretada, nos bastidores, como uma última tentativa de retornar ao cenário parlamentar após não conseguir a reeleição em 2024.

Fontes próximas ao ex-vereador afirmam que a ação não teve motivação pessoal, mas sim “a defesa da legalidade do pleito e do cumprimento correto da cota de gênero”.

Já aliados do Solidariedade consideram que houve tentativa de “judicializar o resultado legítimo das urnas”.

O clima político, embora respeitoso na esfera pública, ainda guarda rusgas que podem se refletir em futuras disputas municipais, especialmente com as eleições de 2026 no horizonte.

A importância do julgamento

Mais do que o resultado concreto em Araucária, a decisão sinaliza, uma vez mais, que a Justiça Eleitoral brasileira segue firme no princípio da valorização da diversidade e da dignidade das pessoas trans na política.

Por ora, Leandro da Academia e Professor Valter continuam firmes no exercício de seus mandatos, enquanto o debate jurídico segue vivo no campo recursal.


Reportagem Especial
Marcello Sampaio | Editorial Política em Pauta — GVPCom News

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