Por Marcello Sampaio – Jornalista investigativo do GVPCom News
A cidade de Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, vem apostando na tecnologia como ferramenta para melhorar a mobilidade urbana e a gestão do trânsito. Um dos principais exemplos dessa modernização é o aplicativo gratuito “Estar Digital Araucária”, desenvolvido para facilitar o controle de tempo no estacionamento rotativo da cidade. Porém, embora funcione há alguns anos, a ferramenta ainda gera questionamentos, desinformação e até desconfiança por parte de parte da população.
Disponível para download nos sistemas Android e iOS, o app permite ao motorista acompanhar, em tempo real, o tempo de permanência em setores específicos da cidade, garantindo o cumprimento da rotatividade obrigatória de até 2 horas por vaga – conforme indica a sinalização nas ruas. O alerta emitido pelo próprio aplicativo ao se aproximar o fim do tempo é um dos recursos mais elogiados.
Estacionamento continua gratuito — por enquanto
A Prefeitura afirma que o uso do estacionamento rotativo é 100% gratuito, sem necessidade de tíquete, presença física em parquímetro ou registro pelo celular. Mas, na prática, muitos motoristas passaram a desconfiar que a gratuidade pode ter data para acabar.
Segundo relatos colhidos pela reportagem, existe a percepção de que o uso do app, embora tecnicamente “opcional”, funciona como uma preparação para futuras cobranças pelo uso das vagas públicas. A ausência de informações mais claras e acessíveis sobre o propósito do sistema reforça essa insegurança.
“Esse fundo cinza na interface do app, a contagem de tempo, as câmeras… tudo isso nos dá a impressão de que a gratuidade é provisória. Não é ilegal nem imoral cobrar, mas o mínimo que deveriam fazer era esclarecer essa possibilidade à população, de forma oficial”, disse o empresário e morador do bairro Iguaçu, Luiz Roberto Martins, de 45 anos.
Ferramenta útil, mas nem todos conseguem usar
Entre os usuários ativos, o aplicativo tem boa aceitação. A comerciante Sandra Lopes, de 41 anos, relata que o app tornou seu dia a dia mais prático:
“Antes eu esquecia o tempo, ficava nervosa com medo de multa. Agora recebo um aviso e consigo mudar de setor com calma. É moderno e evita transtornos”, afirmou.
O técnico em informática Carlos Henrique Matos, de 28 anos, elogiou a possibilidade de gerenciar mais de um veículo na mesma conta: “Uso para meu carro e o da minha esposa. Funciona bem”.
Mas, fora da bolha digital, a realidade é outra. Dona Maria Lúcia, de 68 anos, aposentada, disse sentir-se excluída do sistema:
“Não tenho celular com internet e ninguém nunca me explicou como funciona. É só placa com código e câmera. Agora dizem que posso ser multada. Isso é assustador pra quem não entende essas coisas”, relatou.
A falta de acesso à internet, o desconhecimento das regras e a ausência de campanhas educativas amplas afetam especialmente idosos, trabalhadores informais e moradores das regiões mais afastadas do centro.
Inteligência artificial e fiscalização
Atualmente, a fiscalização ocorre por meio de câmeras de monitoramento que leem as placas dos veículos. A inteligência artificial do sistema calcula o tempo desde a primeira leitura e, se o veículo permanecer no mesmo setor por mais de 2 horas, uma notificação é enviada ao Departamento de Trânsito, que analisa e aplica multa, se for o caso.
A Prefeitura afirma que o controle é automático e imparcial. Mas a percepção entre parte dos motoristas é de que o sistema se tornou mais punitivo do que educativo — especialmente para quem desconhece as regras por não ter acesso ao app.
Gestão busca acertos, mas comunicação falha
Desde que assumiu o Executivo, o prefeito Gustavo Botogoski tem promovido uma série de trocas nas diretorias da Prefeitura para melhorar os serviços e a eficiência administrativa. Uma das mudanças mais visíveis ocorreu na Diretoria de Trânsito, que passou a focar em soluções tecnológicas.
A implantação do “Estar Digital Araucária” é vista como reflexo dessa tentativa de modernização. No entanto, a ausência de um plano de comunicação claro com a população e a falta de transparência sobre os rumos do sistema têm gerado mais dúvidas do que confiança.
Especialistas consultados apontam que o modelo adotado em Araucária é semelhante ao de outras cidades que inicialmente oferecem o sistema de forma gratuita como fase de adaptação, para depois implementar a cobrança. Embora isso não seja ilegal e nem imoral, reforçam que a transparência com os cidadãos é essencial para garantir a legitimidade e a aceitação pública do processo.
Conclusão
O “Estar Digital Araucária” representa um avanço importante no controle de estacionamento urbano, com uso de tecnologia e inteligência artificial a serviço da mobilidade. No entanto, o projeto carrega duas faces opostas: enquanto traz benefícios práticos para quem tem acesso digital, também escancara a exclusão de quem não está conectado ou sequer foi informado adequadamente.
A Prefeitura deve, urgentemente, ampliar o diálogo com a população, esclarecer se haverá ou não cobrança futura e adotar medidas inclusivas. A tecnologia só é positiva quando alcança a todos, sem deixar ninguém para trás.
GVPCom News — Jornalismo com verdade e responsabilidade.